Imagine você, dirigindo pelas ruas da cidade, ou até mesmo numa estrada de via rápida e, de repente, o veículo dá uma freada brusca, simplesmente do nada, sozinho! Pois é, foi o relato de um cliente que chegou até a oficina (AFR Motorsport) com problema no freio do HB20.
– “Vinha na boa com o meu carro HB20, ano 2015, à 90 km/h, e ele do nada freou sozinho” – relatou o cliente.
O proprietário disse também que, com o susto (e não era pra ser diferente) procurou uma oficina mais próxima, o mais rápido possível, na região em que ele estava.
Bem, disse ele, a partir daí a dor de cabeça só foi aumentando, infelizmente.
O mecânico, não encontrando nada que pudesse dar uma luz para sanar o problema, foi direto já trocando os dois sensores das rodas dianteiras do sistema de freio ABS, já que tinha, segundo ele, “passado o aparelho” na esperança de encontrar algo – e encontrou realmente! – um código de falha referente ao Sistema ABS e que isso levava ‘a supor’ que tivesse problemas nos tais sensores, e fossem os causadores desse acontecimento inusitado. Após a troca dos sensores dianteiros e feito um teste de rodagem pelos entornos da oficina, o mecânico liberou o veículo e disse que estava tudo ok, e que poderia seguir viagem, e que, “aparentemente”, tinha resolvido o problema.
Mas, eis que, dias depois, rodando pelas ruas da sua cidade, não é que aconteceu novamente?! E novamente o baita susto.
Procurou imediatamente a oficina de um amigo no seu bairro para corrigir o problema, segurando, em mãos, os dois sensores antigos, já substituídos.
Como antes, na primeira oficina, o atual mecânico começou a fazer alguns testes no sistema de freio, e não demorou muito para condenar, agora, “os quatro sensores”, um de cada roda, pois, rastreando com o Scanner, com o veículo suspenso no elevador, detectou (segundo ele) códigos de falhas relacionados às quatro rodas do veículo.
O cliente, o mais interessado em resolver o problema – e não era pra menos – autorizou, então, a troca dos sensores. Algumas semanas se passaram e, adivinha? Aconteceu tudo novamente.
Já meio que perdido, sem saber pra onde recorrer, ou à quem, um amigo, vizinho dele, indicou nossa empresa (AFR Motorsport) aqui em Amparo, interior de São Paulo, e imediatamente entrou em contato conosco, onde relatou todos os ocorridos e, em seguida, fizemos o seu agendamento para avaliação.
Alguns dias depois o veículo chegou aqui na oficina, no horário marcado, na plataforma (guincho), pois o dono já não sentia mais confiança em rodar com seu HB20.
Começamos os primeiros testes, seguindo o que nós chamamos de Rotina da Triagem; lembrando que, o diagnóstico, seja ele qual for, em que sistema for, deve ter um começo, meio e fim.
O próximo passo foi rastrear todos os sistemas e, quanto à códigos de falhas, o único DTC encontrado foi no sistema de freio ABS: “C1201 – Falha no sensor dianteiro esquerdo”. Fig. 1
Fig. 1
Na segunda oficina que o veículo passou, foram trocados os quatro sensores, alegando, o mecânico, que tinham códigos de falhas referentes a eles, mas o que acontece, na verdade, é o seguinte: o carro foi suspenso no elevador, e é comum deixar o motor ligado e o Scanner conectado ao sistema, e girar as rodas com as mãos, inclusive as traseiras, para verificação de possíveis rodas travadas ou “presas”; isso é corriqueiro nas oficinas.
Mas é bem aí que muitos se confundem, pois, ao girar as rodas com as mãos, o ABS poderá gerar DTCs referentes aos sensores das tais rodas, já que o veículo está inerte, sem se movimentar. E é bem possível que tenha sido uma interpretação errada do mecânico, achando que realmente tinham problemas nos sensores de todas as rodas. Normalmente, essas “falhas” darão como ‘passadas’, se lidas depois. Mas, se lidas em tempo real, e o profissional não se atentar a isso, poderá ocorrer essa confusão, achando que há realmente uma falha nos sensores.
Com essa hipótese levantada, demos início ao próximo passo, que foi trabalhar em cima do referente DTC C1201.
Fig. 2
O primeiro teste foi com o Multímetro, testando alimentação elétrica, e a reação do sensor da roda dianteira esquerda; também certificamos da boa continuidade dos cabos de conexão do sensor, até o módulo de controle. Fig. 2
Nesse primeiro teste não detectamos nada de anormal.
OBS: a leitura do Multímetro é atualizada, em média, 3 vezes por segundo, na maioria deles.
Durante as atualizações do Multímetro, tentamos identificar alguma alteração nas leituras, que fosse fora do normal, porém, quando medimos valores de tensão em pulsos, lemos a tensão média capturada pelo equipamento.
Mesmo fazendo a leitura da frequência dos pulsos, é praticamente impossível detectar algo “estranho” que se altere num pequeno espaço de tempo.
Próximo passo, então, foi entrar com o Osciloscópio. Conectamos o equipamento diretamente ao módulo do ABS, no pino que traz os pulsos do referido sensor.
Saímos com o veículo num teste de rodagem pelas ruas, monitorando o sensor via Osciloscópio, e todo o sistema via Scanner. E, pimba!
Fig. 3
Em um determinado momento percebemos a falta de um pulso – 1 “dente” – da roda fônica, na tela do Osciloscópio, como mostra a imagem, apontando a falha com a seta vermelha. Fig. 3
Fig. 4
Fizemos um ajuste de tempo no Osciloscópio, insistimos mais um pouco no teste de rodagem, e olha a falha novamente; e dessa vez apareceram duas! Fig. 4
Pronto! Já tínhamos um ponto de partida para sanarmos o problema do danado do HB20 que freia sozinho pelas ruas. Glória!
Fig. 5
A roda fônica, neste caso, é prensada junto à homocinética, ou seja, o movimento é solidário um ao outro. Assim, tivemos que remover o conjunto para podermos fazer uma análise mais profunda com a peça nas mãos.
Observando os dentes da roda fônica, à princípio parecia intacta, sem nenhuma anomalia, como mostra a imagem (Fig. 5), mas olhando por outros ângulos percebemos algo diferente.
Fig. 6
Veja pela imagem (fig. 6) que, olhando a peça de perfil, percebemos que um dos dentes parece ter sido amassado por algo; ou alguém, por algum motivo, em alguma manutenção anterior, bateu com alguma ferramenta pesada, amassando um pouco o dente na lateral, o suficiente para que, em determinadas situações, como temperatura, velocidade do veículo, trepidações, causasse a tão assustadora freada brusca, assim, do nada.
Ou, de repente, alguma “pedrinha” entrou ali, causou o dano, e saiu rapidamente, já que o proprietário faz o trajeto da sua casa do centro da cidade, até o sítio que tem, usando, obviamente, uma estrada de terra.
Fig. 7
Contudo, substituímos a peça por uma nova (fig. 7), fizemos todos os ajustes necessários, higienização do alojamento dos componentes, e partimos para um teste de rodagem com os mesmos equipamentos fazendo todo o monitoramento.
Fig. 8
E olha que maravilha de oscilograma capturado; e o melhor, sem nenhuma falha, tudo funcionando perfeitamente. Fig. 8.
Ficamos, inclusive, alguns dias com o veículo, testando e “retestando”, para que tivéssemos a certeza absoluta que o problema tinha desaparecido completamente e, assim, podermos entregar o carro pro cliente e devolver a ele a confiança de poder usufruir do seu HB20 que freava sozinho, do nada.
O que tiramos como lição de tudo isso:
Que o Osciloscópio não é melhor que o Multímetro, nem melhor que o Scanner; e nem vice-versa.
Todos esses equipamentos (entre outros) são importantes, sabendo usá-los corretamente, sabendo aplicar e explorar cada um deles na hora certa e, assim, fazermos o diagnóstico como deve ser, sem “trocações” de peças à toa, sem achismos.
Tudo isso passamos para os alunos em nossos treinamentos também, para que o profissional seja mais ciente, e mais consciente dos seus deveres, responsabilidades e obrigações, perante um problema como o relatado aqui, que, à princípio, parecia ser um “bicho de 7 cabeças”.
Trabalhamos em nossa oficina, a AFR Motorsport, eu, meus filhos Rafael Orágio e Daniel Orágio, atendendo vários veículos que, muitas vezes, vem de outras cidades e até de outras regiões para diagnósticos de um modo geral; fazemos revisões e manutenções preventivas corriqueiras, tudo sob agendamento antecipado, e também temos uma divisão de treinamentos, tanto de cursos no formato em EAD, tanto em cursos presenciais. Usamos nossas instalações, diariamente, como um imenso laboratório, onde estudamos diversos assuntos, tanto da eletroeletrônica, quanto da mecânica de um modo geral, principalmente no desenvolvimento de veículos e motores de alta performance.
Forte abraço, e até a próxima.
Confira a última coluna do especialista Nivaldo Oragio.
Nivaldo Orágio tem 45 anos de experiência, iniciou a carreira em 1979. É Técnico e Instrutor Automotivo, Palestrante de Tecnologias Automotivas. Proprietário de Oficina/Escola de manutenção e projetos de Alta Performance, AFR Motorsport. Possui uma extensão para cursos e treinamentos presenciais e online (EAD), a AFR Education. Canal Orágio Cursos Automotivos no YouTube conta com +430k de inscritos, com +40 milhões de views.
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Ótima experiência pra ficarmos atentos a esse tipo de falhas e melhoramos nossos diagnósticos com Menos troca d peças e mais acertos .. obrigado
Nivaldo Oragio e filhos..
sucesso