Por trás das alterações dos regimes tributários de veículos

A alteração dos impostos para os regimes de SKD (veículos semidesmontados) e CKD (veículos desmontados)

Como sempre, gosto de iniciar por definições: o que é, tecnicamente, um veículo SKD e um CKD?

Ambos referem-se a tipos de produção de veículos e as siglas são provenientes do inglês; por definição, “SKD” significa ‘Semi Knocked Down‘, diz respeito a veículos entregues parcialmente montados; “CKD”, ou ‘Completely Knocked Down‘, a carroceria chega completamente desmontada e alguns processos são executados no país de destino. Existe um outro trio de sigla, o “CBU”, ‘Completely Built Unit‘, que é o veículo importado pronto como conhecemos.

A chinesa BYD anunciou a inauguração da fábrica em Camaçari (BA), em 1º de julho deste ano, no local da antiga fábrica da Ford, e que contou com ampla cobertura da imprensa nacional. Na data divulgou que teria como objetivo produzir 12.500 veículos por mês (150.000 por ano) iniciando pelos modelos Dolphin Mini e Song Plus pelo regime inicial de produção de SKD, ou seja, os veículos chegam da China parcialmente montados e com o passar do tempo passarão a adotar alguns processos locais, alterando seu processo de produção para CKD para finalmente produzir localmente com baixa localização.

Particularmente não vejo qualquer problema em seguir este processo. Quase todas as fabricantes tradicionais começaram da mesma forma. Importando inicialmente, sentindo e entendendo o mercado brasileiro, passando em sua maioria pelo SKD, depois pelo CKD e finalmente produzindo localmente.

“Ah, mas os tempos eram outros”, diriam uns! “Mas não tem dinheiro de governo envolvido”, diriam outros!

Vamos recapitular alguns pontos e isso não é nenhuma crítica, mas serve apenas para afirmar que dinheiro governamental para investimento em setores econômicos-chave para desenvolvimento sempre existiram. GM, Ford e Chrysler (esta atualmente Stellantis), não seriam as mesmas empresas hoje se não houvesse ajuda do governo americano. O governo francês possui por volta de 15% das ações do Grupo Renault decorrente da nacionalização ocorrida na 2ª Guerra Mundial e interesses governamentais; o estado da Baixa Saxônia (Niedersachsen), possui por volta de 11,8% das ações da Volkswagen AG. O Grupo Stellantis tem entre 2 e 5% de participação do governo italiano por intermédio do CDP (Cassa Depositi e Prestiti), desde 2024 e por volta de 6% do governo francês pelo Bpifrance.

E por aqui, não foi diferente!

Em 1956, o governo JK (Juscelino Kubitschek), lançou o plano de metas com o lema “50 anos em 5” e a indústria automobilística teve um papel relevante. Entre tantas definições, o plano tinha como parte da estratégia o investimento em autopeças com fabricação nacional para possibilitar que as fabricantes de automóveis aumentassem o índice de nacionalização (localização) dos produtos que comercializavam por aqui. Assim foi criado o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) para organizar e incentivar a produção de veículos locais.

E isso não foi muito diferente nos últimos anos com incentivos indiretos maciços via IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e com a indústria automobilística brasileira por diversos motivos (uns justificáveis e outros não), sem investir em eletrificação mesmo com o imposto de importação destes produtos estarem zerados de 2015 a 2023, surgiu uma nova defasagem tecnológica de nossa indústria em relação ao que já acontecia no mundo.

É por isso que eu não gosto do IPI. Já falei disso em minhas colunas algumas vezes. Trata-se de um imposto que vai no final da cadeia e não deixa legado na indústria, na logística e nem na cadeia de distribuição (concessionárias). Ele cumpre seu papel de ajudar a girar o mercado, regular os estoques e apoiar a melhora econômica em determinados momentos, mas não deixa, na maioria das vezes, qualquer desenvolvimento (o último na década de 1990 quando os motores 1-litro surgiram; depois para incentivar os motores flex no início dos anos 2000).

Pois bem, a chegada de duas empresas chinesas, a BYD e a GWM, causaram um verdadeiro incômodo na indústria tradicional. Muitos veículos tiveram descontos consideráveis para serem competitivos, afinal estavam lidando com produtos diferentes daqueles do início deste século. Agora são produtos tecnológicos, com qualidade, segurança (ADAS), design, preço muito competitivo e em sua maioria eletrificados.

Mas lembre-se que a indústria nacional pouco se desenvolveu nos últimos anos e estava defasada. Nos segmentos e preços onde os chineses chegaram, eles incomodaram. Então a pressão começou. O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin, em entrevista que foi ao ar na 2ª feira, dia 28 de julho, disse, em outras palavras, que as alíquotas de importação dos veículos eletrificados estão subindo de zero e chegarão a 35% (em julho de 2026), por pressão das fabricantes tradicionais afiliadas a Anfavea.

Quem lê as minhas colunas sabe que normalmente sou contra alterar a regra do jogo com ele em andamento, por mais que isso atrapalhe a nossa indústria, mas nos dias de hoje, em função de canetadas em diversos países no mundo, estou revendo minha posição.

Os veículos SKD e CKD estavam com alíquotas de importação diferenciadas e em elevação gradual até os 35% em julho de 2028; atualmente encontram-se por volta dos 27% a depender do tipo de motorização.

E por que toda a polêmica?

Em resumo, a BYD pleiteava junto ao Governo Federal brasileiro benefícios tributários extras e temporários com respeito à importação de veículos eletrificados produzidos por SKD ou CKD até que sua fábrica ficasse pronta. A justificativa por trás do pleito era que a alteração da regra do IPI alterou seu planejamento e ela buscava a isenção aos veículos para compensar de alguma forma tais prejuízos enquanto não tinha sua fábrica concluída.

Por outro lado, a Anfavea contra-argumentava que se o Executivo autorizasse tal concessão, a BYD nunca fabricaria localmente e ameaçou demitir empregados, reduzir investimentos, diminuir produção. Afinal, eles são responsáveis por aproximadamente 2,5% do PIB total brasileiro e 20% do PIB Industrial.

Alguns afirmaram que antes da reunião do dia 30 de julho, a BYD dava como certa a aprovação de seu pleito. Mera especulação. Fato é que ainda na entrevista citada acima, o vice-presidente Alckmin já havia antecipado que não haveria subsídios específicos para BYD, mas estudaria aumentar as cotas de importação permitidas para qualquer empresa que cumprisse determinados critérios anunciados na 4ª feira após a reunião do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex).

O anúncio do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), aparentemente indicava que o pleito atenderia todas as partes, cedendo um pouco para cada uma, mas após a publicação, no dia seguinte, entendo que a Anfavea ganhou nas entrelinhas.

Em resumo, veículos SKD e CKD passam a recolher imposto de importação de 35% a partir de janeiro de 2027, um ano e meio antes do originalmente programado (julho de 2028) e, por outro lado, estes mesmos veículos terão isenção de alíquotas de importação por 6 meses limitado a um valor de US$ 463 milhões. O que ninguém disse é que esse montante representa somente pouco mais de 11.000 veículos elétricos num tíquete médio de R$ 220.000,00. Muito pouco!

O ponto positivo é que até 2028 as duas citadas empresas chinesas já estarão em estágio mais avançado em relação às suas fábricas.

Vamos aguardar o desenrolar de mais este embate.

Milad Kalume
Engenheiro Mecânico formado pela Escola de Engenharia Mauá
Advogado pela PUC/SP
Pós-graduado em Administração pela FGV-SP
Especialista em análises do mercado de automóveis.

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