A maioria das transmissões multi marchas modernas possuem alguma forma de controle hidráulico para otimização da qualidade da mudança de marcha. Alguém poderia pensar que o modo segurança ou emergência em uma transmissão de 10 marchas resultaria em corpos de válvulas e controles hidráulicos extremamente complicados, mas, de modo geral, o contrário é o que acontece. Como comparação, a transmissão popular da General Motors 4T60 de 4 velocidades era operada hidraulicamente e possuía cerca de 25 válvulas para controlar o tempo e a qualidade das mudanças de somente 3 mudanças ascendentes, mais a aplicação da embreagem do conversor de torque. Em comparação, a transmissão 10L80 moderna da GM possui somente 17 válvulas controlando o tempo de aplicação e a qualidade de 9 mudanças ascendentes potenciais, e a aplicação do TCC ou embreagem do conversor de torque. Como isto é possível?
Basicamente, o gerenciamento do corpo de válvulas complicado de uma transmissão de 4 velocidades da década de 90 foi substituído pela eletrônica, atuadores, e um software, o qual tornou o corpo de válvulas mais simples mesmo no controle hidráulico. A sofisticação que tomou lugar desde as transmissões da velha escola com características do sistema completamente hidráulico, tais como acumuladores, válvulas de desvio, com molas e orifícios calibrados foi gerada pela eletrônica e programas de alta tecnologia, processadores e calibrações de software.
Quão complicada é uma mudança?

Figura 1 – Gráfico do escâner que mostra a mudança de rpm e duração da mudança de uma transmissão de 10 marchas. A mudança 2-3 em baixa aceleração ocorreu a 28 km/h e durou 300 ms.
No escâner, quando olhamos para a lista de dados na função “duração das mudanças de marcha”, o que percebemos? É comum a indicação de duração das mudanças de marcha ocorrerem em 0,125 a 0,5 segundos. Esta duração é padrão quando a mudança ocorre com aceleração leve ou com acelerador totalmente aberto. Por exemplo, com aceleração suave e baixas velocidades do veículo, a mudança de rotação do motor durante uma troca é relativamente pequena. Como podemos ver na figura 1, a mudança 2-3 com pouca aceleração neste veículo equipado com uma transmissão de 10 velocidades acontece a 28 km/h e somente altera a rotação do motor de 1.790 rpm para cerca de 1.420 rpm – uma queda de somente 370 rpm. No entanto, a mesma mudança, com aceleração total, ocorre a 85 km/h, e a rotação do motor cai de 5.570 rpm para 4.350 rpm, uma queda de 1.220 rpm conforme mostrado na figura 2.

Figura 2 – Gráfico do escâner que mostra a mudança de rpm e duração da mudança de uma transmissão de 10 marchas com aceleração máxima. Esta mudança ocorreu a 85 km/h e durou 375 ms. A mudança realizada com aceleração leve durou 300 ms e é suave, e a mudança com aceleração máxima que durou 375 ms é firme por causa da diferença de rotações do motor que ocorre durante aquela fração de segundo. Também, tenha em mente que este exemplo é tomado de uma transmissão de 10 velocidades. Uma transmissão que possua 4 ou 5 velocidades terá uma queda de rpm muito maior durante cada mudança. O controle da aplicação das embreagens e sua liberação durante a mudança, pela modificação da pressão hidráulica em um pistão em linhas gerais controla a qualidade das mudanças. O fabricante controla a pressão de uma certa maneira para obter mudanças desejáveis e repetidas. Não é surpresa, portanto, que existam patentes relacionadas com as estratégias de controle das mudanças. Caso procure as patentes no Google, por exemplo, aparece muitas da GM e FORD que hoje são utilizadas nas suas transmissões modernas multi marchas.
Algumas patentes são relacionadas com aplicação de transdutores de pressão, tais como as encontradas na transmissão 6L80 que medem diretamente a pressão das embreagens. Utilizando-se um osciloscópio para monitorar a pressão real das embreagens, com o veículo em trabalho normal, em um dinamômetro de chassis, percebe-se, sob estas condições, uma grande variação de comportamento devido as diversas calibrações do programa. Neste artigo, vamos primeiramente focar nos segmentos que realizam a mudança, percebendo uma nova visão no que realmente muda (e o que não muda) na operação da transmissão, quando se modificam as calibrações e tabelas. Os resultados da observação do osciloscópio ajudam a perceber e aprender o que acontece, e apreciar o que está envolvido em um controle avançado de mudanças.
FASES DE UMA MUDANÇA DE MARCHA
As mudanças de uma transmissão eletronicamente controlada incluem 4 estágios ou fases durante o processo de mudança. Estes termos são genéricos e os fabricantes podem utilizar diferentes termos, mas todos eles são relacionados à mesma função do processo de mudança, conforme mostrado na figura 3.
Figura 3 – A: Estágio de enchimento, B: Estágio de Torque, C: Estágio de Inércia, D: Estágio Fi

(A)– Estágio de Enchimento: A sequência de mudança se inicia com o estágio de enchimento onde o computador comanda um solenoide para fornecer pressão para uma determinada embreagem enquanto comanda simultaneamente outro solenoide para reduzir a pressão da embreagem que está sendo desaplicada. A pressão de aplicação é tipicamente bastante para acionar hidraulicamente o pistão da embreagem até o ponto onde o pistão elimina toda a folga do pacote de discos, mas não aplica ainda a embreagem. Na figura 3, que mostra uma mudança ascendente 2-3 da transmissão 6L80, o estágio de enchimento é mostrado no segmento A. O traço verde (Embreagem 3/5/R) eleva a pressão até aproximadamente 38 psi e dura cerca de 275 ms. Este espaço de tempo é padrão para todas as embreagens e todas as condições de dirigibilidade e não é relacionada ao tempo de mudança real. Este é um valor de pressão e tempo calibrados que o engenheiro determinou que esta embreagem necessita para seu enchimento e tirar a folga do pacote de discos. Uma pressão maior ou menor por tempos maiores ou menores poderá causar problemas de mudanças durante esta porção do processo de mudança.
A embreagem 2-6 é a embreagem que está sendo liberada durante a fase de mudança ascendente 2-3, conforme mostra o traço dourado. Perceba como, durante o estágio de enchimento, a pressão de liberação da embreagem cai abaixo de 70 psi para preparar o desacoplamento da embreagem.
(B)– Estágio de torque: Após o pistão hidráulico ter removido as folgas do pacote de disco durante o estágio de enchimento, o sistema de controle comanda a aplicação do solenoide de mudança para aumentar a pressão hidráulica na embreagem sob aplicação e estrategicamente comanda o solenoide de liberação para reduzir a pressão na embreagem que está sendo desaplicada. Em mudanças sincronizadas (uma embreagem é liberada enquanto outra é aplicada), a embreagem que está sendo liberada diminuirá a pressão até liberar completamente sua aplicação. Durante o estágio de torque, não há mudança na relação de marcha, porém tanto a embreagem que está sendo aplicada quanto a que está sendo liberada continua a transferir torque entre seu respectivo cubo e tambor. Algumas literaturas identificam um “buraco” no torque durante o final desta fase onde a saída de torque da transmissão cai como resultado da troca de relação de marcha. Na figura 3, a fase de torque é identificada no segmento B. o traço dourado mostra a pressão de liberação da embreagem 2-6 caindo, e o traço verde mostra a pressão de aplicação da embreagem 3-5-R aumentando. Uma vez que o estágio de torque esteja completo, a embreagem liberada finalizou a transferência de torque para a embreagem que está sendo aplicada. Conforme mencionado, durante esta fase, não existe mudança na relação de marcha; é somente uma transferência de torque da embreagem que está sendo liberada para a embreagem que inicia sua aplicação. Similar ao estágio de enchimento, o estágio de torque não afeta o tempo de mudança real porque, neste ponto, ainda não houve uma mudança na relação de marcha ou uma queda na rotação do motor.
(C) – Estágio de inércia: O estágio de inércia é onde a mudança de relação da marcha ocorre, e a rotação do motor cai durante a mudança ascendente. Se houver uma embreagem que estiver sendo liberada, ela será completamente liberada durante este estágio. O estágio de inércia determina o tempo de mudança conforme medido pela queda na rotação do motor. Na figura 3, podemos ver que o controle de pressão de mudança completo do começo ao fim dura cerca de 1,2 segundos, mas o estágio de inércia identificado no segmento C dura somente cerca de 0,3 segundos. Isto soa familiar? Este é o tempo de mudança REAL onde a relação de marcha muda!
(D) – Estágio Final: o estágio final ocorre após a mudança e a relação estiverem completas. As pressões de torque e de inércia são tipicamente muito menores que a pressão de linha, mas após a mudança, é comum que a pressão aumente para assegurar que as embreagens não patinem. Na figura 3, a pressão sobe até cerca de 180 psi durante o segmento D. Perceba como a pressão é muito mais alta após a mudança do que durante a mudança. É interessante notar que esta mudança, na condição de aceleração total, utiliza somente 65 psi para completar a mudança de marcha e relação e então pula para quase 3 vezes mais, para assegurar que ela mantenha a marcha aplicada. Devemos manter isto em mente porque está diretamente relacionado ao sistema de gerenciamento de torque considerado mais à frente nesta matéria.
DADOS DO ESCÂNER
Muitas transmissões não oferecem a possibilidade de monitorar as pressões reais das embreagens. Os dados do escâner podem mostrar por exemplo a pressão de alimentação dos solenoides, mas estes valores são calculados e não verificados. Quando se tem a oportunidade de ter à disposição veículos que podem ser utilizados para testes, pode-se abrir aberturas no corpo de válvulas ou na carcaça da transmissão para monitorar as pressões reais e esperar o melhor, como fez o autor deste artigo. Assim, podemos perceber como é que a pressão real resulta tão igual aos dados do escâner! É incrivelmente igual!!

Figura 4 – Dados que mostram uma representação da mudança de pressão que ocorre nas embreagens. As fases da mudança estão claramente definidas no traço de pressão para os solenoides das embreagens
Observe a figura do osciloscópio e compare com os dados registrados do escâner da figura 4. Para estas experiencias, foi utilizado o escâner HPT pois ele registra os valores de pressão a uma taxa muito rápida e pode registrar por horas se necessário. É uma ferramenta muito poderosa para sistemas de powertrains modernos. Para maior clareza, foram desligados de propósito os traços para a maioria dos solenoides exceto dois solenoides responsáveis pela mudança ascendente 2-3.
Em roxo, o solenoide de controle de pressão 2 aumenta a pressão da embreagem 3/5/Ré até os estágios de enchimento, torque, inércia e final. Em branco vemos o funcionamento do solenoide de controle de pressão 4 que controla a pressão da embreagem 2-6 diminuindo a pressão até liberar a embreagem 2-6 completamente. Perceba que a rotação do motor (traço vermelho na parte superior do gráfico) cai durante o estágio de inércia. Logo após a queda da rpm do motor, a pressão do PCS2 aumenta até o máximo para permitir que a pressão de linha mantenha aplicada a embreagem 3-5-Ré durante o estágio final. Também, veja como a embreagem que perde a pressão é liberada completamente antes que a rotação do motor caia, indicando a divisão entre o estágio de torque e o estágio de inércia.
IMPORTÃNCIA DO GERENCIAMENTO DO TORQUE
Muitas transmissões eletronicamente controladas utilizam gerenciamento de torque. O traço branco na parte superior do gráfico na figura 4 mostra a redução do acelerador, que ocorre durante a mudança 1-2, mas não na mudança 2-3 (neste exemplo). O traço amarelo mostra a redução do avanço de ignição, que acontece em todas as mudanças ascendentes. A redução de torque pode diminuir a potência durante uma mudança, porém é necessária para garantir a durabilidade da embreagem. Este fator pode ser facilmente modificado utilizando-se um dispositivo de tuning, assim, pode ser uma boa prática certificar-se que a redução de torque esteja intacta em todas as modificações de programa para melhoria de desempenho. Mais cedo neste artigo, foi mencionado que a transição entre o estágio de inércia e o estágio final resultou num aumento de pressão 3 vezes maior conforme mostra a figura 3. Isto faz com que revise a pressão aplicada no torque segundo o escâner para ver quanto o torque calculado foi reduzido durante a mudança de marcha.
Reveja o torque calculado do motor (traço branco) na figura 4, na parte inferior do gráfico. Durante a abertura total do acelerador, um pouco antes da mudança 2-3, o torque calculado ficava em torno de 447 Nm.; durante a mudança, ele caiu para – 135 Nm. Assim, durante esta mudança, o motor não produzia nenhuma saída de potência; houve uma reversão do torque! Isto explica como as pressões de mudanças mais baixas são adequadas para ligar a diferença de rotações do motor durante uma mudança e porque a pressão precisa pular substancialmente após o estágio de inércia. Isto também reforça a necessidade de se certificar se o gerenciamento de torque está presente em alguma modificação de programa do módulo.
ENTÃO, QUÃO NOVO É ESTE CONCEITO DA MUDANÇA DE MARCHA?
As estratégias de controle eletrônico das mudanças não é algo novo, porém os métodos de controle são bastante diferentes dependendo do fabricante do veículo ou do fabricante da transmissão. Analisemos alguns gráficos de pressão obtidos no passado com este novo arsenal de conhecimento.

Figura 5 – Mudança 1-2 em uma transmissão 42RLE, da linha Dodge. A aplicação da embreagem controlada por solenoide mostra as estratégias de enchimento, de torque, de inércia e final. A figura 5 mostra um veículo Dodge 2011 equipado com uma transmissão 42RLE. Como muitas transmissões Pentastar, esta transmissão é baseada na antiga transmissão A604/41TE. Dependendo do tempo que atua na reparação dos câmbios automáticos, podemos lembrar que em 1988, quando o mundo das transmissões foi sacudido pela Chrysler 41TE. Esta transmissão utilizava mudanças sincronizadas completamente por comutador. Como mencionado antes, mudanças sincronizadas controlam precisamente o tempo para liberação de uma embreagem enquanto sincroniza o tempo de aplicação de outra, conseguindo-se assim transições de marchas próximas da perfeição, ou corre-se o risco de trancos, flutuações, patinações, travamentos e uma multidão de outras reclamações de mudanças. E se trabalhássemos nas transmissões daqueles dias, todos estes problemas e reclamações de mudanças fariam parte do menu diário do técnico. Os problemas com a transmissão 41TE eram inúmeros, e ocasionaram vários processos por parte dos proprietários dos veículos equipados com aquele câmbio. Isto foi há 36 anos, aquela transmissão básica ainda é utilizada hoje como transmissão 62TE e 41TE, apenas tendo sido tirada de produção com o Dodge Journey em 2020. Que carreira impressionante! Após várias melhorias através de novos softwares e hardwares, a transmissão 41TE se tornou uma unidade bastante confiável, exatamente como a 42RLE no Dodge Charger e outros.
O traço do osciloscópio na figura 5 mostra as pressões da mudança 1-2. Os estágios de enchimento, torque, inércia e final estão bastante claros na figura do osciloscópio. Pode ser que não seja possível definir claramente estes 4 estágios da mudança, porém conceitualmente eles estão lá. A figura do osciloscópio mostra até mesmo os pulsos do solenoide 2-4 oscilando durante os estágios de torque e inércia. Já imaginou o que causava estas marcas estranhas de desgaste no alojamento dos acumuladores nestas unidades? Seria interessante comparar este padrão de pressão durante as mudanças de 2011 com uma transmissão 41TE mais antiga para ver quanto o controle de pressão evoluiu. A capacidade de processamento do módulo de controle e desenvolvimentos dos programas (softwares) sem dúvida influenciaram em muito a durabilidade da transmissão para melhor.

A figura 6 mostra o padrão de mudanças 4-5 em uma transmissão Honda aplicada em um Acura MDX. O controle de mudanças Honda era bastante elaborado nos anos 2000 com um conjunto de solenoides controlados por pulsos (PWM) que controlavam a pressão de aplicação das embreagens através de suas válvulas, e assim gerenciavam o aumento e diminuição de pressão das embreagens. Os solenoides ON/OFF por sua vez controlavam qual pressão deveria ser direcionada às válvulas (pressão de linha e/ou pressão de controle) e assim aplicar os discos de cada marcha. A figura do osciloscópio mostra o caminho de liberação da embreagem da 4ª marcha antes que a 5ª marcha pudesse ser aplicada.
Figura 6 – A mudança 4-5 numa transmissão Honda Acura MDX 2005. A unidade utiliza um sistema de controle de pressão alta das embreagens (CPC) para permitir a aplicação e liberação da embreagem. Os solenoides CPC controlam a aplicação e liberação e, conforme pode ser visto nos traços, eles alteram o controle de pressão durante as fases das mudanças.
A embreagem da 5ª marcha parece passar por vários estágios de enchimento, torque e inércia antes dos solenoides de mudança enviarem e direcionar a pressão de linha à embreagem. Se trabalhar em muitas transmissões Honda/Acura, sabe o quão importante os interruptores de pressão são para a qualidade de mudanças. Estes interruptores de pressão fornecem ao módulo de controle informação valiosa sobre como o solenoide CPC (controle de pressão) reage durante a sequência de mudança.

Figura 7 – Transmissão 10L80 sendo preparada para analise com escâner especializado e osciloscópio. A medida que as transmissões progridem em termos de eficiência e comodidade ao usuário, elas se utilizam cada vez mais destas estratégias de mudanças, visando aumentar sua confiabilidade e controle de emissões, contribuindo para a evolução do nosso setor. Em matérias futuras, traremos mais informações sobre as novas transmissões multi marchas, que estão cada vez mais presentes no mercado.

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